Entrevista: Carol Ferreira, uma caminhante da lua

Foto: Marcela Chiappa

Fada alquimista, mulher selvagem, loba ou uma caminhante da lua… tudo isso pode defini-la, porque tudo faz parte de um ser cíclico. Foi assim que Carol Ferreira se descobriu há alguns anos e é isso que busca passar para as mulheres com quem convive, seja em círculos femininos, rituais de conexão lunar, florais da lua ou em qualquer encontro feminino.
Em uma conversa que durou mais de uma hora, a Carol conversou com a gente e contou sobre o processo de transformação pelo qual passou até se encontrar com o feminino e com a sua lua.

Um “começo”…

Me formei em 2010, em Publicidade e Propaganda, sem rumo e sem a pretensão de entrar no mercado de trabalho. Me sentia muito alheia ao que acontecia no mundo da publicidade. Abri uma espécie de agência com uma amiga e tínhamos um cliente, o pai dela. Ganhava um salário de estagiária, mas foi importante, fez com que eu saísse da casa da minha mãe. O cliente era uma loja de lingerie. Aí começou a primeira relação – que eu estou me dando conta só agora. Trabalhei com a parte da sensualidade e sexualidade, que era como vendíamos o produto. Isso fez com que eu tivesse contato com minha sexualidade também. Durante esse ano, com a instabilidade do emprego e várias coisas que eu vinha carregando de um passado sombrio, comecei a sentir as consequências: crises de ansiedade, ataques de pânico.. não sabia muito bem o que estava acontecendo.

Diagnóstico

Tive experiências ruins, crises bem fortes. Taquicardia, tremores, suador. Fui diagnosticada com hipertireodismo. Uma doença que convivi de 2011 a 2013. Não recebi o tratamento adequado, as crises aumentaram. Fiz tratamento com cardiologista e vivia assombrada com isso durante anos. Carrego isso comigo ainda, que é o que me move nas curas e processos pessoais. Passei um ano e meio recebendo medicações erradas, posologias inadequadas. Até que encontrei uma médica, fiz um tratamento e um procedimento invasivo: iodo radioativo. Minha tireoide tinha 30% de chance de parar. E parou. Desde então sofro com hipotireodismo. Não corro mais risco mas é uma doença incômoda. Estou sempre atenta e me cuidando.

Nessas descobertas e desconfortos, em 2012 uma hoje grande amiga, minha ex-sogra, Vera, se formou em Yoga e me ofereceu pra ser sua “cobaia” . Comecei a praticar em 2012. Isso foi me transformando. Eu já vinha com uma dieta vegetariana, tendo mais consciência do meu corpo. Comecei a fazer terapia, e tudo foi me ajudando a superar o trauma da doença.

O retorno para o caminho

Quando descobri o Yoga foi quando retornei para o meu caminho.Desde pequena sempre gostei de fazer comidinha com flores, testar bruxaria, pó de fada, e aos 13 anos descobri a magia natural.
Na época não tinha muito acesso. Aos poucos, ia na casa de um amigo, tinha blogs que falavam sobre isso, eu copiava rituais e receitas… Eu era uma bruxa solitária, imprimia tudo e ficava no meu quarto fazendo tudo sozinha. Depois tive uma grande amiga, que encontrei aos 16 anos e me deu acesso aos materiais. Ela me emprestava livros. Comecei a ler. Hoje é engraçado falar sobre os primeiros livros que li, porque foram na fase bruxa do Paulo Coelho. Não o desfaço, mas é um autor que não me interessa mais. Mas o caminho dele como mago me ajudou muito. Fez descobrir que eu era uma caminhante da lua. Foram várias descobertas nesse tempo… E Vera acabou me trazendo de volta a esse universo. Ela já tinha estudado magia e comecei pegar seus livros. Ela me dá, até hoje, muitos livros de presente sobre yoga, ayurveda, culinária. Me jogou de volta no caminho. Em função da doença comecei a trabalhar mais isso, praticar yoga, me interessei bastante pelo ayurveda. Estou fazendo uma formação de terapia ayurveda. Acabei me apaixonando e sentindo o quanto isso estava me ajudando a melhorar.

Foto: Jonathan Ferreira

Cogumelices & Fada Verde Culinária Natural

No meio dessas paixões criei uma marca de assessórios e objetos, a Cogumelices. Era eu e mais duas amigas, tínhamos a temática da floresta. Entrei nesse universo completamente. Foram dois anos com a Cogumelices, e fazia freelas na área publicitária.
A questão financeira sempre falou mais alto: me envolvi com assessoria de marketing por alguns meses, foi quando comecei a fazer comidinhas, curso de culinária vegetariana e vegana e cozinhar. Precisei me tornar vegana por questões de saúde, foi quando minha doença ficou mais estabilizada (hoje não estou mais vegana, mas retornando aos poucos). Criei a Fada Verde Culinária Natural, que toquei por um ano com uma amiga. Participávamos do Brique da Vila Belga, vendíamos bem, mas descobri que a cozinha me deixava exausta e eu não estava mais com aquela energia.

Acabei desistindo e pensava… “já tenho 30 anos, uma filha, vou arrumar um emprego e me estabilizar”. Fiquei nove meses em uma agência juntando dinheiro e fazendo novos cursos, inclusive a formação de yoga. Ficou visível que eu não me preocupava com a carreira publicitária e fui demitida. No dia da demissão, a primeira coisa que pensei foi: como vou pagar minhas contas e as coisas da Júlia? Esse pensamento foi com um flash e em seguida pensei que isso seria um sinal pra seguir o caminho que eu já sentia no meu coração. E foi o que aconteceu.

Nesse meio tempo, passei por desequilíbrios hormonais, me sentia muito estranha. Depressiva, sem vontade de fazer nada, cansava rápido. Eu não tinha libido e sofria muito porque tinha um companheiro maravilhoso e não conseguíamos mais ter relações porque eu não sentia nada. Foi aí que comecei a ler sobre a pílula anticoncepcional e me deparei com as coisas horríveis que nenhum médico me contou antes de me receitar. Eu tomava pilula desde os 13 anos pra controlar a acne, me apavorei com aquelas informações e quis parar.

A lua, mais uma vez…

Mas pra parar precisava de um método que me ajudasse a entender meu corpo. Não sabia como meu corpo funcionava, sempre tomei pílula. Foi quando encontrei os estudos do feminino e achei a relação dos ciclos da lua com o ciclo menstrual. A lua estava ali de novo, mais uma vez. Recebi muita informação nessas pesquisas. Li sobre o que produtos de higiene femininos traziam para o corpo: câncer de mama por causa do alumínio do desodorante, batom com chumbo, absorvente industrializado contribuindo para o câncer no colo do útero. Aquilo me apavorou e acabei mergulhando nesse universo. Fiz várias experimentações, e a primeira delas, após largar o anticoncepcional e acompanhar meu ciclo com o diagrama lunar, foi fazer meu próprio desodorante.

Comecei a vender para amigos, tomou uma proporção grande e resolvi fazer uma marca com linha de cosmética natural e vegana. Cheguei no nome Farol da Lua, pois já estava estudando os ciclos femininos e consumindo muito conteúdo sobre ciclos lunares. Lancei em 2016 e a marca traz as fases da lua e a Lua Cheia como um grande farol que ilumina.

Os estudos foram me levando e como os textos sobre anticoncepcionais eram muito interessantes, criei um grupo no Facebook chamado Ginecologia Natural e Ciclos Femininos, para compartilhar com amigas. Elas começaram a chamar outras amigas e o grupo cresceu. Nesse período, recebi um convite para fazer uma oficina sobre a relação da menstruação com os ciclos lunares. Em duas semanas preparei o material e aí surgiu a 1ª oficina de Conexão Lunar: o feminino e os ciclos menstruais. Com ela falo da relação do ciclo menstrual com a lua, do sermos cíclicas e foi a partir disso que coloquei a oficina dentro do Farol, como um produto.

Foto: Marcela Chiappa

Encontro no universo feminino

Fiz mais de 20 edições desta oficina, creca de 90 mulheres passaram por ela. No meio disso terminei minha formação em Yoga e em 2017 comecei a dar aulas. Em julho do ano passado, através de um coletivo em Florianópolis e fiz uma formação com uma mulher que eu admirava muito. A capacitação era em ginecologia natural e florais da lua. Não tinha dinheiro pra fazer, e com a colaboração de várias amigas consegui ir e me tornei terapeuta menstrual. Aquilo abriu muito a minha cabeça. Até então não tinha feito cursos presenciais só com mulheres, e foi diferente de tudo o que eu tinha vivido. Voltei transformada. Abri um projeto chamado Tenda Vermelha, onde reuni 13 mulheres durante 13 lunações, para passar esse conhecimento e trabalharmos a cura do feminino. As portas foram se abrindo. Hoje ofereço rituais abertos para mulheres e homens, depois da fase de experimentações com os florais da lua. Continuo dando as aulas de Yoga, atendo ginecologia natural, terapia feminina, guio mulheres, facilito círculos. Mergulhei nesse universo e me encontrei. Era a cura que eu precisava.

Conexão Lunar

A conexão lunar é uma ressignificação do nosso sangue. Fomos ensinadas a odiar nosso sangue não temos mais a celebração como nossas ancestrais faziam. Nessa ressignificação, percebemos que o sangue é mágico e nutritivo.
Depois da invenção do anticoncepcional parece que as mulheres estão anestesiadas. É claro que algumas precisam da medicação, mas a sensação que tenho sobre meu corpo hoje é da libertação que foi largar o anticoncepcional, de simplesmente voltar a sentir.
O mercado de trabalho suga o tempo da mulher. Ela não tem tempo para cuidar de si, faz dois turnos de trabalho, chega em casa, tem mais um turno para cuidar de casa e dos filhos, e ter um resto de vida no fim do dia. Isso desequilibrou muito nosso contato com o feminino.

A conexão lunar nos coloca de volta para o nosso interior. Precisamos fazer essa auto-observação. Quando observamos nosso ciclo a partir da lua, temos o um momento para nós. A hora de nos olharmos para preencher o diagrama lunar e escrever no diário da lua vermelha. O diagrama lunar é uma mandala onde podemos acompanhar o ciclo. Ali anotamos tudo o que está acontecendo no nosso dia a dia. Uma cólica, uma irritação, uma alegria. Através desse auto estudo, no fim de três meses, temos um mapeamento de padrões do ciclo e a partir disso começa a trabalhar as curas necessárias para um fluir melhor da vida.
Essa ressignificação é importante pra que percebemos como lidamos com esse “ser cíclica”, como é ter quatro fases e mais algumas… Perceber em que momento do ciclo é preciso baixar a quantidade de atividades, recolher, ou aproveitar melhor e utilizar a energia criativa que temos. A conexão lunar é essencial.

Florais da Lua

Foto: Marcela Chiappa

Foi uma das coisas mais incríveis que aconteceram comigo. Recebi eles da  Anna Sazanoff, uma mulher medicina de Curitiba. Conhecer ela foi algo quase surreal. Ela é terapeuta ayurveda e naturóloga. Desenvolveu esse sistema em plantas que nasceram no jardim dela, de mensagens que recebeu através de sonhos e visões. É um sistema de florais para a cura do feminino, cura emocional e física.

O ritual de florais é um círculo onde, diferente de consultar um terapeuta e ele prescrever um floral a partir do que você falou, eles é que te escolhem. Isso foi uma percepção que a Ana teve, porque ela começou a testar os florais e percebeu que as plantas eram mais sábias do que ela podia imaginar. Chegava uma paciente e dizia que tinha um problema, e uma planta começava a nascer no quintal, ela pesquisava sobre a planta e via que era aquilo que a pessoa precisava. Ela fez cartas para cada planta e elas passam a mensagem. O ritual consiste em você se conectar com essas medicinas e recebe-las magicamente. É surpreendente, um ritual muito bonito. Quem faz um tratamento contínuo consegue ver a preparação de um floral para outro, são muito intensos, densos, e podem vir muito doces, ou trabalhando coisas mais profundas e pesadas. É um caminho de autoconhecimento bonito, que eu fico muito feliz de ser guardiã.

Mulheres na nossa vida – Ciranda das Lobas

Eu redescobri essa importância quando comecei a trabalhar com isso e dar oficinas de conexão lunar. As primeiras foram lotadas, tinham muitas mulheres. Sempre é muito especial estar entre mulheres. Como temos isso que nos impuseram de sermos rivais, concorrentes, ser falsas umas com as outras. Tantas coisas fazem pra nos odiarmos. E na verdade, quando estamos juntas é como se fôssemos todas filhas da mesma mãe, como se fôssemos irmãs. Isso redescobri dando as oficinas e a pergunta que surgia era: “onde vocês estavam, mulheres? Vocês são maravilhosas… não quero que me paguem pra estarmos juntas.” Assim nasceu a Ciranda das Lobas, um grupo de mulheres que estuda natureza e os ciclos e que virou uma grande rede de apoio. É incrível estarmos juntas. É um grupo aberto, lindo, que fortalece e empodera muito. Quando estamos ali, falamos sobre tudo, coisas que não estamos acostumadas a falar. Sobre os desafios na maternidade, menstruação, sexualidade, nossas criações, nossas ideias. Todas tem algo muito especial, desde a forma de expressar, um abraço mais forte, uma arte incrível, um canto bonito… Eu descobri mulheres maravilhosas, uma infinidade delas. Eu passei a acreditar que sim, todas somos muito maravilhosas, temos inúmeras qualidades, somos criativas, mas fomos impedidas de viver isso, né?

Foto: Marcela Chiappa

O poder dos círculos femininos

E esse círculo de mulheres traz isso de volta, um resgate do nosso poder criativo, acolhimento, da nossa essência. A mulher tem que sentir esse chamado e estar disposta a se encontrar. Não é só sagrado feminino, não é só girar saia com florzinha na cabeça na volta da fogueira. É também se enxergar na sombra da outra. É muito transformador. Eu acredito no empoderamento que isso traz pra nossa vida e que o sagrado feminino anda de mãos dadas com o feminismo. Não adianta fazer ritual pra natureza e lá fora xingar a outra. Temos que estar na rua, na luta também. Indo atrás dos nossos direitos e fazendo as coisas acontecerem pra que a gente possa se libertar cada vez mais…

Importância do autoconhecimento

Pra mim esse processo foi uma grande mudança. Da Carol que eu era antes para o que me tornei hoje e estou me tornando. Essa busca nunca termina. Seguimos evoluindo todos os dias.
Eu tinha uma vida bem desregrada antes, estava perdida. Enquanto estive em contato com minha espiritualidade, quando era mais nova estava tudo indo bem. Quando comecei a não me ouvir mais e dar valor para o que “todo mundo estava fazendo”, as coisas começaram a dar errado.
Esse retorno foi muito importante e com a vinda da minha filha, em 2006, a maternidade me ajudou a voltar. Eu era muito nova quando ganhei ela, e eu queria viver as coisas que eu não tinha vivido e acabei um pouco perdida. Depois comecei a olhar pra mim e ver o quanto tudo isso era importante, eu tinha alguém que dependia de mim, não era só minha saúde e daí passei a me cuidar mais.
Só agradeço a todas as pessoas que me guiaram nesse caminho. Não acredito que sozinhos consigamos algo. Tem momentos que estamos tão perdidos e desajustados que não conseguimos pedir ajuda. Nem se encontrar… precisamos de alguém. Dei a mão pra essas pessoas e foi muito transformador. Honro e agradeço cada ser que caminhou e caminha ao meu lado.

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